“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”
Por Jodar de Castro Roberto
Tudo, em suma, é sempre uma questão de educação. – Cecília Meireles
A educação vive numa constante mutação, como tudo que nos cerca. Nada do que produzimos, pensamos e arquitetamos no nosso cotidiano, deixa de ser o reflexo do que nos formou enquanto pessoas, enquanto seres que precisam viver, que vislumbram horizontes em que a utopia de um mundo melhor seja o ponto de chegada.
Como nos ensina Cecília Meireles, “tudo é uma questão de educação”. É a partir deste lugar de fala, que como educador e pesquisador gostaria de fazer algumas reflexões, nenhuma definitiva, pois que mudamos o tempo todo e vivemos numa sociedade que vem sendo pautada na velocidade e na busca da competição desenfreada, onde só os vencedores são respeitados.
A educação que me move e me moveu até os dias atuais, parte dos pressupostos de que uma escola democrática, plural, diversa e antirracista é de fundamental importãncia na edificação da sociedade. Dessa forma, a minha formação humana de educador e pesquisador compromissado com o crescimento cidadão dos educandos só é possível, como nas palavras de Paulo Freire, pois só “me movo como educador porque, primeiro me movo como gente” (Freire, 2000, p. 106).
Olhando por esse prisma a utilização do esporte, nesse caso específico o futebol; associado a arte, vista aqui a partir da música no gênero samba, são dois elementos fundamentais, para que uma educação que trabalhe a partir do encanto, possa fomentar nos educandos a vontade de aprender. Cecília Meireles nos ensina que: “O mundo parece que só não progride mais rapidamente porque há, em muitas criaturas, um visível desencanto de aprender. De aprender mais continuamente, de aprender sempre” (Meireles, 2001, p. 63).
Nesse ponto podemos afirmar que a educação precisa ser arejada e repensada nos seus formatos e moldes e dessa forma abrir e se abrir as mudanças e aos novos paradigmas, terazendo para o seu espaço do dia a dia, dois aliados potente para a melhoria do processo ensino aprendizagem: a arte e o esporte.
A Arte e o Esporte: a educação em movimento
O esporte não pode ser visto como uma simples palavra ou conceito simplista. O mundo do esporte na contemporaneidade cresceu e atinge uma amplitude que não se imaginava. Podemos observar que a sua abrangência atinge a saúde, educação, turismo entre outras.
Entre os elementos que reforçam a importância da prática esportiva no âmbito escolar podemos destacar a aquisição de habilidades físicas e sociais, valores, conhecimentos, bem como a socialização e a exploração do campo lúdico na educação. Ou seja, a prática esportiva é de vital importância para a formação de um sociedade saudável.
No que tange a inserção da arte no campo da educação, Cecília Meireles de forma poética nos convida a refletir:
Um instante de beleza pode causar a transformação total de uma vida. Basta que a ação se produza com aquele ritmo e aquela proporção que tornam as coisas adequadas e determinam esse ajustamento harmonioso e surpreendente que os homens chamam pelo nome de milagre.
As grandes obras de arte foram sempre um milagre. Diante delas vêem-se os homens mais hostis converterem-se de súbito: o êxtase é o indício dessa mudança brusca, em que se paralisam todas as energias bárbaras, e o espírito aflora, só com as suas virtudes requintadas, à contemplação do prodígio, que de certo modo o reflete. (Meireles, vol. 1, p. 61, 2001) (grifo nosso)
É desse “milagre” da arte que a educação precisa no seu dia a dia. O chão da escola precisa ser colorido, dançado, sambado, multiplicado em formas geométricas. Agitado com os corpos que sejam potencializados no balé, no funk, na capoeira, nos lundus e todas as possibilidades que tirem da escola o torpor das repetições, que ao invés de formar, deformam os educandos.
Na sala de aula: com a bola no pé
A sala de aula é o espaço perfeito para abrigar o samba e o futebol na prática de uma educação voltada para a liberdade e construção da cidadania. A escola é o palco privilegiado para que os atores das transformações futuras, alunos e professores, possam desfilar, sambar, cantar, jogar, driblar, cooperar, aprender, entre tantas outras possibilidades.
Pois vejamos: o futebol é um jogo. Quantas habilidades são necessárias para que o jogo seja jogado, perdoem o pleonasmo. O futebol para além de uma atividade física, pode ser compreendido pelo seu teor político, pelo seu teor socializante, pelo seu caráter integrador e a capacidade de promover a igualdade racial em debates no dia a dia.
Podemos enumerar uma série de benefícios da utilização dos esportes de uma forma geral e do futebol, em particular. O aspecto principal envolve a coordenação motora global, o equilíbrio, a noção espaço-temporal, a noção espacial e até mesmo o ritmo da criança são trabalhados com o futebol. Observando que o aspecto lúdico é fundamental, o contato com a bola e as brincadeiras que possam advir, destacando que o coletivismo deverá preponderar no processo.
Qual o motivo para destacar o aspecto do coletivismo? Simples. O futebol é uma atividade socializante por excelência, já que precisamos de dois ou mais jogadores envolvidos. Essa convivência social pressupõe o estabelecimento de regras, não de autoritarismo, que fique claro! Nessa direção, ao criar regras, marca de qualquer jogo, desde a mais simples, o esporte é praticado com os pés; até as mais complexas, o impedimento, por exemplo. Geram uma relação de respeito aos companheiros, bem como de não violência.
Outro aspecto preponderante é o trabalho em equipe. O futebol é um esporte coletivo na sua essência, para além das individualidades o coletivo é a sua melhor característica. O jogo pode ser trabalhado sem necessariamente operar com vencedores e derrotados, mas fazendo valer o espírito de colaboração das equipes. Ou seja, as vitórias e derrotas não podem ser sinônimos de presunção ou derrotismo, respectivamente, mas apenas situações que servem como aprendizado para a vida, quando somos ganhadores e perdedores em vários momentos e situações.
A necessidade de tomada de decisões dentro das partidas, tais como, qual o melhor momento para fazer o passe, trocamos passe ou avançamos de forma mais aguda? Essas decisões precisam ser banhadas pela disciplina que o jogo exige. Entretanto, em momento algum a criatividade pode ser desprezada ou tolhida, afinal de contas a grande dos nossos jogadores é a irreverência, o drible, a leveza que o brinquedo traz. Essas são marcas que identidicam e qualificam so nossos jogadores.
Na sala de aula: com o samba pé
Da mesma forma que o futebol virou marca identitária do Brasil, o país também ficou conhecido pelo samba e pelas batucadas, pela sonoridade, pela malemolência do ritmo e da dança. Herança da nossa negritude que deveria ser nosso orgulho, mas que ainda carrega marcas da escravidão e do preconceito e que nas palavras do poeta Luiz Carlos da Vila deveria ser revista. Pois segundo ele: “É preciso a atitude / pra assumir a negritude / pra ser muito mais Brasil”.
Talvez seja esse o primeiro ponto relevante para a utilização do samba na sala de aula. A possibilidade das revisões históricas fundamentais para as questões que envolvam a negritude e as suas pautas até hoje não resolvidas. Nesse sentido promover o resgate e ajudar a construir o olhar em torno de fatos da história do Brasil, que já forma temas das escolas de samba, como a questão da escravidão abordada pela Estação Primeira de Mangueira, onde destacamos os versos: “ Será que a Lei Áurea tão sonhada/ Há tanto tempo assinada/ Não foi o fim da escravidão/ Hoje dentro da realidade/ Onde está a liberdade/ Onde está que ninguém viu”.
Nas palavras de Cecília Meireles, que já prestara atenção na importância do samba para o ensino, ela o destacava como um jogo pedagógico. Onde elencava as qualidades que os jogos possibilitam no que tange a educação, pois, no caso desse gênero musical, as possibilidades individuais e coletivas são enormes no “exercício de sentido e faculdades, submissão ao ritmo, domínio do corpo, e seus movimentos, aguçamento da sensibilidade pela obediência à coreografia”, entre outras habilidades necessárias. A educadora também destacava que isso tudo refletia no “comportamento geral, traduzido em agilidade e capacidade de controle, úteis, sem dúvida, no domínio da vida prática” (Meireles, 2001, Vol. 5, p. 347).
A importância do samba para a cultura brasileira é incomensurável. Considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, o samba “negro forte e destemido / que foi duramente perseguido”, como nos ensina os versos de Nelson Sargento, tem muita história para contar e muita alegria para nos dar. Nascido nos terreiros de Candomblé, a partir dos instrumentos de percussão, apresenta como um dos seus grandes legados a preservação da memória do povo negro escravizado.
A sua utilização no espaço escolar pode ser feita de forma transdisciplinar, envolvendo várias matérias e possibilidades de interseções abrangendo as artes plásticas, a música , história, literatura, geografia etc. Além de atender a necessidade de dar o devido valor aos edificadores do país.
Por uma educação do encanto
O mundo parece que só não progride mais rapidamente porque há, em muitas criaturas, um visível desencanto de aprender. De aprender mais continuamente, de aprender sempre.
Cecília Meireles
As escolas não podem ser prisões ou depósitos nos quais os alunos são retidos por um certo período do dia. A escola precisa ocupar o lugar do encantamento, um lugar e um espaço onde a comunidade escolar recupere o encanto de viver, o encanto de amar e o milagre do conviver, o encanto com as descobertas, o encanto com as experiências e descobertas, em suma, o lugar onde se possa conjugar o verbo esperançar, para que se possa estimular, animar e dar e ter esperança.
Nessa direção, o samba e todas as suas nuances que envolvem o corpo em movimento, os requebros malemolentes, a beleza do gingado e de tantas e tantas possibilidades mais, possibilita que a escola seja tomada pela alegria da música, pela quebra da rigidez que dociliza os adolescentes de forma autoritária, mas não permite a leveza necessária do encantamento que uma educação criativa e ativa precisa ser.
Essa condição de ser “um eterno aprendiz”, como o samba do Gonzaguinha nos mostra, precisa ser retomada com potência. Precisamos construir uma educação que permita aos educandos a troca constante e a percepção ativa de que nunca estaremos prontos, pois existe a necessidade de estar sempre seguindo em frente, buscando novos caminhos, abrindo novas veredas.
Cecília Meireles nos ensina que: “Se a obra de educação consiste na formação humana, parece que a sua maior dificuldade reside no despertar do indivíduo para o conhecimento ou sentimento dessa necessidade” (Meireles, 2001, vol. 1, p. 59). É nessa direção que a relação professor/educador e aluno /educando precisa ser revista nas escolas de forma que seja estabelecida uma parceria.
Como podemos observar, a humanidade caminha desde o seu nascimento até à morte, de forma automática, sonâmbula. Essa condição precisa ser revertida e para isso teremos que contrariar o provérbio hindu que diz: “não acordes aquele que ainda estiver adormecido”. Será que nós educadores e intelectuais podemos aceitar essa escola sem vida?
Não! Precisamos realinhar os conceitos, reavaliar posições, formar novos educadores estruturados em novos paradigmas, em novas medidas para quebrarmos a cadeia da acomodação, pois
Em geral, atingido um limite de conhecimento indispensável a certas garantias, o indivíduo instala-se nele, e deixa correr o tempo sem se preocupar a renovação permanente das coisas. São esses, na verdade, os que se surpreendem quando, certo dia, encontram circunstancias diversas a atender. Pensaram que tinham formado um número inalterável e lhes bastava ir até o fim nessa cômoda rotina” (Meireles, 2001, vol. 1, p. 63).
Ao estabelecermos a pesquisa, a curiosidade, o lúdico, o jogo, a arte, o esporte como elementos formadores fundamentais, estaremos refazendo vículos perdidos e trazendo o corpo discente para perto, paras as trocas, para o contato mais prazeroso e menos ortodoxo. Podendo assim mostrar que para o conhecimento não há limite, nem ponto de chegada.
O samba e o futebol podem e devem ser alinhados no dia a dia das escolas como ferramentas muito importantes na formação dos alunos. Poderão ser utilizados como elementos que quebram a rotina seca das escolas, possibilitando a construção de um olhar e de ações que tragam a tona a solidariedade e a empatia como fatores fundamentais na formação dos alunos.
Corroborando com Bauman: “Quando a solidariedade é substituída pela competição, os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues a seus próprios recursos – escassos e claramente inadequados” (Bauman, 2009, p. 21). O que acreditamos para uma escola agregadora, passa pelo acolhimento dos alunos e a edificação de relações que tenham na solidarieda a sua marca, pois só assim estaremos integrando os diferentes grupos sociais, numa escola verdadeiramente democrática.
Considerações finais
É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…
Paulo Freire
A construção de uma educação cidadã e voltada para formação de seres humanos que saibam conviver em harmonia, respeitando a diversidade das etnias, dos gêneros, das religiões e das diferenças que formam o Brasil, continua sendo o desafio nosso, enquanto educadores, pesquisadores e intelectuais; da sociedade como um todo, se ela estiver imbuída da verdadeira importância da educação e da classe política, se a representação conferida a eles pelo voto democrático gerar a construção de políticas públicas no campo da educação, que não sejam fatores de divisão dos alunos e educandos em classes, mas que sejam políticas públicas que tratem todas as crianças, adolescentes e jovens como a matéria prima de um país novo.
Referências
BASSANI, J. J.; TORRI, D.; VAZ, A. F. Sobre a presença do esporte na escola: paradoxos e ambiguidades. Movimentos, Porto Alegre, 2003.
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
____________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MEIRELES, Cecília. Crônicas de educação, volume 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2001.
________________. Crônicas de educação, volume 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2001.
________________. Crônicas de educação, volume 5. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2001.